O preço das casas desce!
- danielagmportela
- 12 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2021

Já leu títulos como este?
Normalmente são notícias de jornais ou estatísticas de curto prazo de imobiliárias, e não relatórios produzidos por instituições idóneas que acompanham o mercado imobiliário. Caso do INE e do IMPIC.
As estatísticas de curto prazo (menos de 12M) poderão eventualmente apontar para descidas de preço na ordem dos 2%. Mas... não podemos apenas com base numa analise de curtíssimo prazo (6M) extrapolar para uma tendência técnica do mercado em geral. Poderá mesmo apenas constituir uma correção pontual de preço, devido às alterações atípicas logísticas forçadas pela COVID19, que resultou numa diminuição da procura.
Aliado a este facto, a incerteza quanto ao emprego fez com que muitas pessoas colocassem de parte um fundo de emergência e não arriscassem já num negócio que as poderia comprometer financeiramente nos próximos tempos. Também a falta de motivação para visitas in loco a que o nosso investidor está habituado se tornou mais evidente. De notar que no mercado dos Estados Unidos muitos negócios imobiliários, e mesmo em mercado secundário, são feitos sem sequer o investidor conhecer fisicamente o imóvel.

Na realidade, o valor por m2 de construção vendida (nova) continua cerca de 30% a 40% (conforme zonas do país) acima do seu valor intrínseco, daí que quebras pontuais de 2% a 6% e mesmo até às percentagens que acima arrisquei mencionar, não se podem traduzir numa extrapolação de que o mercado está barato… mas de facto quando dizem “o preço das casas desce” não estão a mentir.
O importante é contextualizar.
Vejamos, até mesmo o valor dos materiais para a construção civil, já antes da soma com o valor da mão de obra (para nos dar um valor básico da construção sem margem de lucro)… está sobre valorizado. Os materiais transformados já estão a ser vendidos a preços superiores aos anos anteriores. E os materiais brutos (o aço por exemplo) já denota um aumento no seu preço. Se existe agora aproveitamento de margem antes de uma recessão, o que acontece numa recessão quando o material antes da transformação (metais, pasta de papel etc…), começa a escassear? Aqui a situação do preço dos materiais brutos é fácil de explicar. As fábricas produziram menos durante o ano de 2020 havendo portanto menos produto e pouca capacidade logística de entrega. Aumenta a procura, sobe o preço.

Já o inverso aconteceu com o petróleo na caricata situação da OPEP insistir em não diminuir a produção (apesar de não existirem aeronaves a circular e os derivados combustíveis não estarem a ser requisitados durante a pandemia - diminuição da procura), o que fez com que os futuros do crude atingissem uma cotação negativa. Pela primeira vez na WTI (West Texas Intermediate) havia demasiado produto e pouco espaço onde o armazenar, acabando pelo preço do transporte e espaço para armazenar o produto ser superior ao preço do produto em si. Os mercados financeiros ditam verdadeiramente as regras para o equilíbrio dos preços de tudo o que é básico e necessário para a industria da transformação e subsequentes atividades económicas. Essa é a área apaixonante das commodities que há decadas são transacionadas em mercados de futuros. Poderíamos pensar porque a gasolina não ficou mais barata também? O preço da gasolina guia-se pelo brent (UK) e não pelo crude (USA). No entanto acabou por acontecer que por contagio ficou um pouco mais barata mas não adianta muito o preço do transporte de materiais para as obras diminuir no combustível, se o preço da matéria prima a transportar aumentar.

Neste momento, investir num imóvel pronto (novo) com recurso à alavancagem, para numa estratégia de revenda daqui a 5 anos, não se trata na realidade de um investimento, mas sim de mera especulação. O aproveitamento da taxa de juro negativa que está a ser calcada com patas de elefante pelo BCE está a servir de motivo para aumentar o preço do imobiliário artificialmente. Como é mais fácil agora contrair um crédito habitação devido a uma taxa Euribor negativa, o banco (a1) aumenta o seu spread para adquirir um imóvel que o vendedor/promotor (a2) inflacionou. Inflacionou exatamente por este motivo, e por naturalmente existir procura. Relembro o esmagamento que a banca nacional teve aquando pressão da banca europeia com ofertas muito próximas do spread zero.
Quando a oferta secar, e vai secar porque nós que trabalhamos em projetos de arquitetura e diretamente com os promotores de maior escala vamos ter que deixar escoar o produto físico do mercado, para se fazerem novos prédios… nessa altura já a taxa Euribor terá subido. E daqui a 5 anos os bancos irão manter os spreads iguais aos de hoje? Os bancos comerciais em Portugal já não estão numa situação propriamente robusta. Dependem essencialmente de empréstimos e de comissões. Começará a haver entrega das casas vendidas para mercado secundário, onde o Fix and Flip (renovação e venda) voltará para os níveis de hoje.
A história repete-se porque se não existe um aumento de um lado, existe do outro e o mercado imobiliário permanecerá sempre elevado até que exista uma correção brutal de 30% a 40% motivada por um fator outlier (imprevisível ou externo).

Não estou de parte como mera observadora, pois estou ligada ao setor há 20 anos via projeto, coordenação, planeamento urbano, construção civil e também a nível de investimento imobiliário. Os problemas são transversais e a minha visão alargada compreendendo a perspectiva de cada um dos intervenientes.
Tenhamos pois a consciência destes fatores que me parecem necessários para compreender o fenómeno atual.
01 - O valor das casas (novas) não está a descer assim como dizem. As notícias e métricas aplicadas servem para motivar ainda mais a compra dentro das grandes cidades, causando ainda mais assimetrias, e manipular o mercado para novos máximos.
02 - Desde a crise da sub-prime em 2008, sentida aqui em Portugal mais tarde, existe uma necessidade de urgência, uma ansiedade no setor imobiliário, uma falta de controle emocional e rendição ao preço.
Nota: No setor da arquitetura foi em 2012-2013 que existiu um decréscimo significativo de encomendas por parte dos promotores imobiliários e construtores civis. Após uma crise temos aquilo que eu chamo escoamento do que se tem em carteira. Neste caso crise nos States em 2008-2009, repercussões em Portugal após tentativas do governo em ativar o PECIV, e chegada da troika em 2011. Nos gabinetes de arquitetura em reunião com os promotores que já tinham anteriormente negociado os seus empréstimos estaríamos então a escoar apenas ideias e projetos em carteira… que resultariam em imóveis pós-crise. A nossa crise começou mais tarde quando os promotores não os conseguiam descarregar no mercado.
03 - Terá de existir uma modificação na mentalidade de investimento em Portugal. Quer por parte do investidor quer por parte dos mecanismos que regularão e protegerão essa nova mentalidade.
04 - O Estado tem de deixar de ser servente do estrangeiro para obter lucro rápido, e perceber que o setor imobiliário pode progredir através de uma mentalidade Core distinta que também lhe poderá trazer mais valias da mesma dimensão, ao mesmo tempo que beneficiará o custo de vida dos portugueses.
05 - Deve existir intervenção política e legislação que a corrobore no sentido de modificar a mentalidade de investimento.
06 - O mercado português não está orientado para o arrendamento por falta de incentivo e suporte em matéria legal que favoreça claramente esta estratégia de BhH (Buy and Hold).
07 – Se nada for corrigido, o mercado secundário onde circula o produto de revenda tende a ser contagiado pelas estratégias de preços especulativos que dominam o mercado primário de compra de imóveis novos.
08 – A solução também não passa ao lado da intervenção particular, em que pode optar por procurar imóveis para reabilitação e arrendamento sendo que os bancos terão de adoptar critérios de financiamento mais ajustados a estas preferências.
Poderão consultar o preço por m2 por região neste mapa do INE sendo que se encontra muito aquém das médias praticadas na realidade. No meu entendimento o mercado imobiliário ainda está mais caro do que os que dizem que está caro e isso é caso para refletir.
https://geohab.ine.pt/
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