FIRE com renda fixa
- one more stock
- 27 de set. de 2022
- 9 min de leitura
Atualizado: 11 de mai. de 2024
Vou começar com uma confissão: Não me interessa a idade...
O Nicholas Ward é mais novo do que eu alguns anos, mas tem uma longa carreira no mercado, nomeadamente como Dividend Investor. Ele é um analista sénior da Wide Moat Research, que eu tomei conhecimento através do meu mentor Brad Thomas, um analista com grande experiência em Real Estate Investment Trust ( REITs ) que são empresas reconhecidas como Fundos Imobiliários cujas ações são transacionadas em bolsa, e que escreveu este livro:

O livro do Brad Thomas começa o seu título com “The Intelligent…” que é uma alusão ao The Intelligent Investor de Benjamim Graham. Sem qualquer pretensão de se assemelhar a ele, está ali apenas para marcar posição enquanto Value Investor, neste caso, no universo dos REITs - Real Estate Investment Trust.
Se gostas desta temática lê o meu eBook “Manual de Investimento em REITs”.
O TRIO
O Nicholas, tal como o Brad Thomas, escreve para a seeking alpha e foi aluno e colega do Brad, tal como eu.
Nós os três, embora em fases diferentes da vida, pois naturalmente o Brad está de longe muito mais estabelecido, temos como premissas a construção de carteiras com foco em excelentes empresas, geradoras de cash flows crescentes, pouca divida, e que aumentem os dividendos ano após ano. Nós fazemos isto há alguns anos, mas eu sou a mais novata. Apenas comecei mesmo, mas mesmo a sério, a construir uma carteira sólida de dividendos e a registar esses ganhos, para fins comparativos, há 3 anos. Contudo no meu segundo ano aumentei os meus dividendos YOY em 68% e no meu terceiro vou em 113%.
O meu objetivo é cada ano que passe ir aumentando essa percentagem relativamente ao ano anterior. Isso não é nada fácil porque há períodos da vida mais exigentes.
Claro que em 2001 já tinha empresas pagadoras de dividendos, mas o meu foco não estava nisso. Eram empresas que detinha por determinadas caraterísticas, e que por acaso pagavam dividendos. Tinha em carteira empresas portuguesas, que pagavam dividendos uma vez por ano, ali em Abril ou Maio, e excecionalmente pagavam dividendos extraordinários no caso de ultrapassarem metas nos seus resultados semestrais.
AS OBRIGAÇÕES PAGAM CUPÕES
Tinha também, e continuo a ter, empresas que emitiram empréstimos obrigacionistas (corporate Bonds) e que pagam juros duas vezes por ano. Sempre adorei o mercado da dívida, o mercado obrigacionista que tem sempre o seu auge nas grandes crises, em que todos precisam de dinheiro, nomeadamente as empresas, e se servem de quem lhes quer emprestar.

Naturalmente com risco associado, existe aqui a possibilidade de ser útil, recolher os juros (tal como um banco) e no final ser-lhe devolvido o principal (chama-se principal ao capital que emprestaste inicialmente). Algumas vezes atrasaram-me pagamentos um semestre e até um ano… faziam reuniões para aprovar isto e claro os obrigacionistas raramente iam a essas reuniões. Descobri que numa delas éramos poucos mais de 1000 obrigacionistas em Portugal para aquela emissão de obrigações. É muito pouco esse número de obrigacionistas dado o NAV do total de obrigações, o que significava que havia quem tivesse emprestado na ordem dos milhões.
Felizmente esses casos (dos atrasos) pagaram mais tarde um prémio por ser paciente. Para mim até foi melhor terem-se atrasado, porque os obrigou a pagarem-me mais um ano de juros (sem que eu tivesse pedido) e com um prémio no final caso eu quisesse fazer uma OPT (Operação Pública de Troca). Para mim é indiferente pagarem este ano ou não sei quantos anos depois. A minha ideia é receber juros a uma taxa acordada. Transferir essa situação para um novo empréstimo parecia-me algo natural para atingir o objetivo. Serve de aviso para quem me lê que este juro é sacado fora para a conta do cliente e paga retenção na fonte da taxa liberatória (os aborrecidos 28%). Não usufrui do benefício do juro composto!
Na realidade quem não for paciente não deve estar nos mercados, e quem achar que pode precisar do dinheiro não o deve emprestar. Quem investe em obrigações tem de ser um investidor já com um mindset bastante diferente de um investidor habituado ao rápido retorno das ações. É remédio santo para acabar com o vicio das cotações! Uma boa parte do meu portefólio de ativos está alocado a obrigações.

Esses dividendos e juros dos cupões das obrigações pagaram muitas férias em família e conheci boa parte do continente asiático graças aos contributos em renda fixa dessas empresas.
Nessa altura, de 2001 a 2018 entendia os dividendos como um bónus. Parte deles voltava a investir, outra parte financiava em viagens, equipamento fotográfico, equipamento para o golfe, etc. Era muito gratificante saber que essas empresas estavam a pagar as coisas que necessitava… e após isso ainda mantinha o capital investido.
Só que não.
Muitas dessas empresas estavam “viciadas”. Como qualquer empresa o intuito de estar cotada na bolsa foi largar ações em troca de dinheiro e a forma de calar e manter os acionistas era dar-lhes os dividendos. Má estratégia e isso veio a revelar-se inúmeras vezes no nosso antigo PSI20.
O NOSSO PSI É PSICADELICO
Custaram-me muitos anos na bolsa de Lisboa perceber que as empresas portuguesas (salvo as small caps onde se podem encontrar oportunidades para trades de curto prazo) são empresas que se comportam como cíclicas, mesmo que o seu setor e seus retornos financeiros reais não sejam cíclicos. Há empresas que são um emaranhado estudar e entender os seus relatórios de contas. É muito mais fácil entender uma gigante como a Microsoft, que um conglomerado como a Sonae. Não se pode confiar numa empresa do PSI ela tão depressa está descorrelacionada cotação com fundamentos, como é adquirida e sai de bolsa a preço inferior ao IPO e à sua média móvel de longo prazo, como pode acontecer de fazer um arco sinusoidal e em 10 anos voltar ao valor que estava. Há de facto oportunidades na bolsa de Lisboa, mas passo a bola (e boa sorte com isso!) … Foram 19 anos na bolsa nacional que poderiam ter sido 5 se quisesse estudar e compreender melhor as coisas.
MAS POR FALAR EM COTAÇÕES
Vejamos o que o Nicholas diz sobre as cotações.
“Francamente, não presto muita atenção aos movimentos dos preços das ações de curto prazo. Eu faço o meu melhor para tirar proveito da fraqueza irracional fornecida pelo mercado quando se trata de comprar em baixa, no entanto, uma vez que realmente não tenho planos de “vender bem”, a direção do mercado tem pouco significado para mim.
Eu acredito que a grande maioria da volatilidade de curto prazo no mercado é irracional (especialmente nos dias de hoje, onde algoritmos e veículos de negociação passivos estão no controle de grande parte dos volumes de negociação do dia-a-dia).
O meu foco continua direcionado para o aumento confiável da receita passiva que o meu portefólio gera.
Esse foco permite-me ignorar a volatilidade de curto prazo e, em vez disso, focar no que mais importa: os fundamentos subjacentes das minhas posições de investimento.”
É uma filosofia de investimento que vocês já me “ouviram” muito pregar certo?
“A receita que o meu portefólio gera, é no que me estou a basear para os planos de reforma / liberdade financeira. E, com isso em mente, normalmente estou a torcer para que as minhas ações caiam mais, e eu possa agregar mais com uma base de custo menor e um rendimento maior sobre o custo. Isso me permite aumentar o meu fluxo de renda passivo e acelerar a minha jornada em direção à liberdade financeira.”
Chamamos a isto o YOY – Yield on Cost, que no fundo é o dividend yield real dele baseado no preço a que comprou as ações. Comprando em baixa, ações fundamentalmente atrativas ele também garante obter um preço médio da posição global (média dos lotes de cada posição) melhor, ou seja, mais baixo, garantindo uma melhor margem de segurança.
No meu portefólio de dividendos eu tenho um quadro em excel que me diz se o DY está acima ou abaixo do YOC para cada empresa. Se o DY estiver acima do YOC é caso para considerar a compra.
O foco do portefólio é gerar renda fixa – retorno passivo para o investidor. Não me interessa bater o mercado, mas temos lá o índice para termos uma referência. O que me interessa é investir em bons ativos, fundamentalmente saudáveis e por isso tenho que estuda-los para vocês terem acesso já a uma triagem de potenciais candidatos.
E VENDER ATIVOS?

“Num mundo perfeito, eu nunca liquidaria as minhas participações em empresas blue chip. Idealmente, eu gostaria de mantê-las para sempre, recolhendo seus dividendos crescentes e, então, eventualmente, passar a minha máquina de crescimento de dividendos para meus filhos para que eles possam se beneficiar dos fluxos de caixa que as maravilhosas equipes de gestão com as quais fiz parceria um acionista de longo prazo gerar.”
Claro que no mundo real temos de estar atentos aos relatórios que as empresas vão fornecendo, pois eles são indicadores fiéis da realidade financeira que a empresa atravessa, e nos dão uma ideia de como a empresa planeia gerir o seu negócio e gerar para futuro. O Nicholas algumas vezes esqueceu e insistiu em manter algumas empresas em carteira, como a AT&T e a Intel, pois comprou-as a um preço demasiado elevado e os fundamentos deterioraram-se.
Mas também é certo que errar é humano, e ele reconheceu o erro a tempo de preservar parte do capital (na AT&T) e algumas mais valias que ainda não tinham sido comidas pelo mercado (no caso da Intel). Isto também aconteceu comigo na Alibaba, mas facilmente reconheci graças ao tempo que despendi a fazer um research isento de viés cognitivos e teimosias (que acontecem quando somos menos experientes) e estudo a 10 anos cruzado com estudo concorrência e avaliação de risco macroeconómico.

As pessoas são muito sensíveis e defendem os seus investimentos, porque afinal, trata-se das suas escolhas, das suas apostas, e assumir que foram más escolhas ou que não resultou de certa forma ainda há quem interprete que isso põe em causa a própria pessoa. Só que não é nada disso. Todos erramos, e não quer dizer que de um momento para outro a situação não inverta… mas também não é preciso defender um investimento como se fosse um casamento. Com o tempo percebemos que os investimentos não sentem nada por nós, as ações não sabem que as temos e comprar e vender é para que serve a bolsa. Tão depressa se compra, como ao sinal de fragilidades se cortam as perdas.
A REGRA DOS 4%... OU NÃO

Mas vou continuar com o Nicholas, e vou abordar agora porque não lhe agrada a famosa "Regra dos 4%".
“Honestamente, o meu descontentamento com a regra tradicional de 4% foi o que me levou a tornar-me um investidor de crescimento de dividendos. O ideal de lenta, mas seguramente, liquidar ativos na reforma era aterrorizante. Eu não gostava da ideia de trabalhar duro minha vida inteira para construir um pé-de-meia, apenas para vê-lo desgastar-se conforme eu envelhecia. E, a ideia de ficar sem dinheiro na reforma (devido a me tornar um vendedor forçado durante um período prolongado de mercado em baixa) foi o suficiente para me inspirar a procurar alternativas.”
Tenho a dizer que subscrevo totalmente. A ideia é passar para gerações futuras ou instituições, como uma fundação de um projeto social que me identifique, o lucro capital mais o principal investido, e para mim receber como forma de salário o capital ganho via dividendos, obviamente pagando imposto sobre ele.
Há quem diga que acumulando esse capital depois gera mais retorno… só que isso envolve esperar esse tempo e com sorte não o perdes no mercado em baixa. É uma opção. Não critico quem diz “ah mas eu tenho 20 anos de mercado posso esperar”… desafio essa pessoa a esperar realmente.
Já passei pela crise da dot.com 2001, pela crise financeira de 2008 etc. Sei como é, e o tempo que pode durar uma dessas situações conhecidas, o que fará uma situação desconhecida, como uma calamidade ambiental ou algo que nem consiga imaginar.
“Obviamente o mundo não é perfeito e de vez em quando acabo por vender ações. Mas, na maior parte, sou um investidor de compra e manutenção muito disciplinado (contanto que os dividendos que minhas participações continuem a aumentar de forma sustentável de uma forma que atenda às minhas expectativas, estou feliz em manter) e, portanto, a curto prazo os movimentos de mercado de minhas participações não mudam minha visão de longo prazo.
Historicamente, meu foco é aumentar dividendos de forma consistente, o que requer um forte crescimento fundamental, e me permitiu gerar um desempenho superior, no que diz respeito ao retorno total.
Em suma, possuir as melhores empresas do mundo é uma ótima receita para o sucesso nos mercados, então, embora vencer os mercados não seja o meu objetivo principal, tende a acontecer por causa da estratégia que eu emprego (comprar blue chips até a fraqueza e, em seguida, mantê-las no longo prazo, pois a reversão à média leva a ganhos desproporcionais).“
Está aqui expressa a estratégia com que realmente me identifico e que procurarei guiar quem me rodeia, porque sei que funciona.
Mas aviso: é uma estratégia que demora muitos anos a construir. Muitos não aguentam!
Começam e abandonam logo para correr atrás de ações de rápido crescimento, sem dividendos e com resultado liquido negativo (empresas que vivem de promessas). Isso é normal acontecer. Não consegues de repente, de uma forma sustentada, ponderada e com base na análise fundamental, receber um salário em dividendos. Isso é possível rapidamente com apostas malucas e pouco diversificadas e nunca será um ganho consistente, porque se baseou num tiro de sorte. Não faças isso. Já tentei e não resulta.
O QUE RESULTA
O que resulta é diversificar e construir o portefólio lentamente, aumentando os dividendos desde muito pouco no primeiro ano… e ao 3 ano dependendo do empenho e capital investido, já consegues ver qualquer coisa decente. Vais modelando o custo médio, desfazendo-te das posições que vão ficando caras por motivos mais diversos, seja para criar ganhos capitais e reinvestir noutras mais em conta, seja porque se deteriorou a situação da empresa etc… e vais comprando mais e mais ações de empresas que apresentem sólidos fundamentos, dividendos crescentes YOY que estejam verdadeiramente a compensar o acionista.

Não interessa comprar as ações que todos compram sem realmente conhecer o que as empresas estão a fazer, o que planeiam fazer, e prever de que forma o mercado irá reagir a essas situações.
Bons investimentos!
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